HERÁLDICA



A Heráldica, ciência auxiliar da História, associada à Genealogia desde o início do século XII, tem por fim a formação e descrição simbólica de instituições, acontecimentos ou qualidades individuais e familiares que se devem perpetuar. A composição de um brasão de armas obedece a regras, assim como a alguns preceitos estéticos elementares.

Esta ciência começou por funcionar como marca pessoal tornada hereditária, com o fim de distinguir as famílias servindo-se da genealogia como meio de evolução. A Heráldica recompensava os indivíduos pelos seus méritos, qualidades e virtudes, tal como hoje o fazem as condecorações e os louvores oficiais, fazendo-os sobressair da massa anónima e apontando-os como exemplo a seguir.

A arte de compor brasões adveio da necessidade dos antigos chefes militares se identificarem por símbolos bem visíveis e de se agruparem em torno de uma bandeira. O escudo heráldico representa o escudo de guerra usado pelos guerreiros medievais, no qual representavam as suas armas para se distinguirem uns dos outros. A forma do citado escudo, usada em Portugal, apresenta o bordo inferior boleado, porém, apesar desta regra, é vulgar a representação de formas mais fantasiosas, regra geral de origem estrangeira.

Foi no reinado de D. João I (1385-1433), posteriormente à batalha de Aljubarrota, que pela primeira vez se institucionalizou a arte heráldica, com a criação de regras para o uso de brasões. Esta nova necessidade ficou a dever-se ao facto de grande parte da nobreza, emergente da nova ordem social, ter cometido alguns abusos apropriando-se indevidamente de brasões de famílias nobres extintas por terem seguido o partido de Castela. Com o fim de sanar a confusão reinante criou-se um corpo de oficiais de armas, tais como reis de armas, arautos e passavantes. Competia a estes funcionários régios registar e impedir o uso abusivo de brasões, assim como zelar para que a composição destes se fizesse de acordo com as regras da heráldica. Porém, só no reinado de D. Manuel I (1495-1521), após várias reformas, a heráldica atingiu a perfeição.

Muitos brasões de armas são obtidos por escolha do próprio: estes são os assumidos. Na origem a forma de obter um brasão foi a de cada um o escolher como lhe aprouvesse. Mais tarde, a forma normal de obter o direito ao uso do brasão de armas estava então na herança familiar e, em certos casos, na concessão graciosa do soberano.

Desde sempre intrigados pela descodificação da heráldica familiar do concelho do Fundão, deparamo-nos com a existência de várias pedras de armas aparentemente assumidas, algumas de membros do clero, assim como outras cujos documentos de concessão então desconhecidos nos consumiram muitos anos de aturada pesquisa.


Todas as armas começaram por ser assumidas na sua origem, devido ao capricho dos seus possuidores que as escolhiam muitas vezes para representar a própria personalidade. Estes adoptavam sinais ou símbolos concebidos dentro do espírito da arte de blasonar, com excepção de alguns sinais ou figuras exclusivos de certos sectores da Heráldica. Exemplo das restrições impostas às armas assumidas, são as coroas ou coronéis com a configuração indicativa das várias categorias de títulos que estes não possuíam.

Mais tarde houve muitos membros da nobreza que assumiam as armas dos seus antepassados, sem que este procedimento irregular constituísse uma transgressão censurável aos usos e costumes da arte heráldica, até porque ninguém lhes questionava o direito ao uso de armas próprias às quais tinham direito por herança dos seus antepassados.

Este pequenos estudos, versando predominantemente a heráldica familiar do concelho do Fundão, na sua configuração geográfica actual, teve inicialmente como objectivo a satisfação pessoal do conhecimento da mesma. A busca das raízes históricas do torrão natal foi sempre uma das nossas principais motivações.

Com recurso a muitas fontes impressas, e certamente não isentas de erros, estas investigações foram feitas com grandes dificuldades, quer por falta de acesso a documentação particular das referidas casas, quer pelo facto de algumas pedras de armas terem presumivelmente mudado de localização ao longo dos séculos, e por sucessivas reconstruções com ampliações, alterações nas cantarias e melhoramentos introduzidos nos edifícios que os ostentam, o que causa dificuldade na sua datação com algum rigor.

Embora uma ou outra fachada sem reboco tenha elementos de encaixe que sugerem a existência anterior de uma pedra de armas – entretanto desaparecida – das muitas que foram concedidas, muitas estarão para sempre escondidas por rebocos.


Aqui partilhamos alguns conhecimentos adquiridos sobre este inestimável património local, cuja protecção devia merecer especiais cuidados das entidades competentes. 
Não podemos permitir que se venha a perder uma parcela importante da memória colectiva e do nosso património local.

As pedras de armas são um dos elementos decorativos mais salientes da arquitectura da Beira que urge preservar.

João Trigueiros

Qualquer homem como eu tem quatro avós,
Esses quatro por força dezasseis,
Sessenta e quatro a esses contareis,
Em só três gerações que expomos nós.
Se um homem só, dá tanto cabedal,
Dos ascendentes seus, que farão mil?
Uma província? Todo o Portugal?
Por esta conta, amigo, ou nobre vil,
Sempre és parente do Marques de Tal,
E também do porteiro Afonso Gil.



in. Abade de Jazente - Poesias (Séc. VIII).

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