2013-07-16

Casa do Passadiço (I) - Aldeia Nova do Cabo, Fundão.

Pedra de armas dos MOREIRA
(réplica recente do original)




                     Forma:     Escudo sobre uma cruz de Cristo, ao arrepio das convenções heráldicas:
                                      pleno de MOREIRA (com imprecisões) – que é de vermelho com nove
                                      escudetes de prata, postos 3, 3 e 3, cada escudete carregado de uma cruz
                                      florenciada de verde (aqui carregado de uma cruz da Ordem de Cristo,
                                      por erro)[1].
                                      Contrachefe de CAMELO (suposição nossa) – de prata, com três vieiras
                                      de azul, realçadas de ouro.
                    Elmo:        De grades, voltado de perfil, olhando à direita do escudo.
                    Timbre:     Um lobo de vermelho, passante (na acção de andar), mas que devia ser
                                      ser sainte (vendo-se apenas a parte anterior), e carregando no peito de 
                                      um escudete das armas, como compete aos Moreiras.
                    Local:        Interior de uma casa de Aldeia Nova do Cabo.
                    Data:         ?



Aldeia Nova do Cabo,
Casa do Passadiço.
            Através do Dr. Luís Henriques, um apaixonado pela terra dos seus avoengos, tivemos conhecimento da existência desta pedra de armas que, segundo ele, se encontra no interior de uma casa de Aldeia Nova, cujo local exacto não nos foi mencionado.
           Referiu-nos ser uma réplica de outra muito antiga, a qual durante umas obras de remodelação foi encontrada soterrada no piso térreo que servia de adega a uma casa secular desta simpática aldeia que, desde a sua origem, terá estado na posse de várias famílias: falamos da chamada Casa do Passadiço.

            A pedra original, bastante danificada e fragmentada[2], serviu de cópia a esta que aqui damos conta e será uma interpretação não muito fiel do original, pois apresenta alguns desvios à forma habitual de blasonar. Porém, apesar das incorrecções detectadas, conseguimos identificar a estirpe destinatária: inequivocamente a família MOREIRA, cuja existência é quase residual nesta zona do concelho do Fundão.

            Apesar de não estarmos na presença da pedra original, assim como das incertezas em relação à sua interpretação, atribuição, e possibilidade de datação; optamos por dar conhecimento deste achado na expectativa de incentivar a colaboração de alguns investigadores da história local, aos quais deixamos um apelo ao seu contributo para a decifração deste enigma heráldico.


MOREIRA e CAMELO            
Armas dos MOREIRA,
Livro da Nobreza (1521-1541)
         Estes MOREIRA, nobilitados, não deixaram memória da sua existência no concelho do Fundão, apesar de há alguns séculos terem tido algum destaque noutros lugares das Beiras.
              Será legítimo presumir-se que a pedra de armas original, a ter existido, terá vindo de uma localidade exterior ao concelho do Fundão, trazida por descendentes já distantes dos Moreiras que lhe deram origem, os quais, por casamentos posteriores já adoptariam outros apelidos.

          É sabido que os Moreira provêm da freguesia do mesmo nome, no concelho de Celorico de Basto, onde tinham o seu solar de origem.
       Um descendente destes foi DIOGO FERNANDES MOREIRA (c. 1450), cavaleiro ao serviço do rei D. Afonso V (1438-1481), o qual se distinguiu nas guerras contra Castela (1476) pelo que obteve deste monarca o cargo de alcaide-mor de Castelo Branco, assim como o respectivo brasão com as armas dos Moreiras[3]. Foi casado com D. MARIA ANES DE ABREU (c. 1450), de quem sabemos ter tido dois filhos[4]:
1.º - GONÇALO ANES MOREIRA, que sucedeu na alcaidaria-mor de Castelo Branco e foi casado com D. BRITES PEREIRA DE ALTERO.
2.º - NUNO FERNANDES MOREIRA (c. 1475), casado com D. VIOLANTE DE MAGALHÃES. Foi criado do rei D. Afonso V e muito bom cavaleiro, tendo estado com seu pai na tomada de Arzila  (1471) e na Batalha de Toro (1476)[5].

            Por alianças matrimoniais, a descendência destes dois filhos foi ao longo dos tempos perdendo o apelido original de MOREIRA, o que explica a possível existência do seu sangue no concelho do Fundão sem o respectivo nome original.
            Não cabe aqui explanar as extensas relações genealógicas a investigar: apenas registamos que a descendência destes foi adoptando outros apelidos, dos quais destacamos[6]: os PAIVA, os MACHADO, os CUNHA, os PORTOGARREIRO, os MAGALHÃES (de Pedro Jaques de Magalhães, 1.º visconde de Fonte Arcada)[7], os COUTINHO, os MALDONADO, os BOURBOM e GERALDES DE ANDRADE (senhores da Casa da Graciosa em Idanha-a-Nova), os NORONHA (condes de Linhares), e principalmente os PINTO – estes últimos vieram a dar origem aos MIRANDA CAMELOS (de Vilar do Paraíso); todos eles com descendência que se espalhou pelo concelho do Fundão, incluindo esta aldeia.


Armas dos CAMELO,
Livro do Armeiro-Mor, (1509).
Quanto aos CAMELO, todos os nobiliários os dão como procedentes dos CUNHA, família esta que foi uma das repovoadoras de Aldeia Nova do Cabo.

Um destes, D. MARTIM LOURENÇO DA CUNHA (c. 1210) teve do seu casamento D. GONÇALO MARTINS «o CAMELO» (c. 1240)[8], cuja alcunha transmitiu à sua descendência, tida de sua mulher D. TERESA ANES PORTOCARRERO (c, 1240)[9].  
Os descendentes deste último casal vieram muito mais tarde a ter ligações a Castelo Branco.
Um destes, ÁLVARO PEREIRA CAMELO (c. 1390)[10], veio a casar por volta de 1430 com uma sua prima D. ISABEL CAMELO CASTELO BRANCO (c. 1410), natural da cidade de Castelo Branco, da qual aí teve geração.

           A maior parte destas famílias que sucederam aos Moreira, tiveram ligações familiares neste concelho e nomeadamente em Aldeia Nova do Cabo. Talvez por uma destas vias sucessórias, esta pedra de armas (a original), vinda de outras paragens, aportou a Aldeia Nova do Cabo com o objectivo, não consumado (?), de ser colocada na casa de um seu legítimo herdeiro. Possivelmente, a mesma terá sido encastrada na fachada da Casa do Passadiço, de onde foi posteriormente retirada, aquando da sua passagem à posse de outra família, em tempos muito recuados.


A CASA DO PASSADIÇO
           Esta casa, cuja família fundadora desconhecemos ao certo, veio a pertencer à família do Dr. Teodoro da Fonseca Mesquita (n. 1869)[11], advogado e notário no Fundão, assim como destacado activista republicano do concelho, antepassado do já citado Dr. Luís Henriques, seu actual proprietário. Talvez, as leis sumptuárias que sobrecarregavam de impostos este tipo de ostentação, ou até o republicanismo exarcerbado dos seus mais recentes proprietários, tenha levado a que a pedra de armas original tenha sido apeada da fachada.
               Presumimos que esta casa foi dividida em duas (casa amarela e casa cor-de-rosa)[12], pois na sua origem tinha quase o dobro do tamanho de hoje e, em tempos imemoriais, estava inserida numa propriedade agrícola.
            A sua fachada modernizada esconde no seu interior uma casa de muitos séculos, e a sua frontaria ostenta um escudo de pedra lisa, em memória de uma pedra de armas outrora aí existente: talvez o local do escudo original a partir do qual foi feita esta cópia.
_________

Notas:

[1]   A Cruz Florenciada (da Ordem de Avis) tem os braços terminados em flor-de-lis; e a Cruz de Cristo
    (da Ordem de Cristo) tem os braços terminados em triângulos isósceles com a base para fora.
[2]  Alguns dos fragmentos estavam a servir de suporte às dornas da citada adega
[3]  SANCHES BAENA, Visconde, Archivo Heráldico-Genealógico, Vol. II, Lisboa, 1872, p. CXVII.
[4]  GAIO, Felgueiras, Nobiliário, Tít. «Moreiras», § 2, N 8, Vol. VII, p. 506.
[5]  GAIO, op. cit, Tít. «Magalhães», § 132, N 10, Vol. VII, p. 228, 229.
[6]  Cf. GAIO, passim.
[7]  PEDRO JAQUES DE MAGALHÃES (1620-1688), 1.º visconde de Fonte Arcada, era sétimo neto de
      DIOGO FERNANDES MOREIRA (c. 1450). Foi um grande combatente da Guerra da Restauração e
      governador das armas da província da Beira, ao qual foi concedida a comenda de São Pedro de
   Joanes (Aldeia de Joanes, junto a Aldeia Nova do Cabo), com mercê do hábito de Cristo e título
   dados em 1643 e alvará da administração em 23-V-1644 (ANTT, RGM, Ordens, liv. 2, fl. 54), 
   renovado sucessivamente em 1645, 1651 e 1687.
[8]  Nome tirado da alcunha “o Camelo”, que transmitiu à sua descendência.
[9]  Esta famíla, muito mais, tarde também existiu em Aldeia Nova.
[10] ÁLVARO PEREIRA CAMELO (c. 1390) era filho de Álvaro Gonçalves Pereira (c. 1370), 3.º Senhor do
  Baião, e de sua mulher D. Inês de Sousa.
[11] O Dr. Teodoro da Fonseca Mesquita (n. 1869), após a Revolução Republicana de 1910, fez parte da
  comissão administrativa que tomou posse na Câmara Municipal do Fundão a 17-X-1910. O Fundão,
  deu o seu nome a uma rua.
[12] A casa cor-de-rosa (ou do Passadiço) e a casa amarela, que lhe fica contígua.
[13] Francisco Camilo casou em segundas núpcias com D. Maria Libânia Freire Correia Falcão.
[14] D. Maria Margarida Geraldes de Melo Coutinho (n. 1755) era irmã de outro Francisco Camilo
  Geraldes Leitão de Melo Cajado (n. 1777), nascido a 15-VII-1777 em Idanha-a-Nova, cidade onde
  faleceu sem geração, e foi sepultado no adro da igreja Matriz de Aldeia Nova do Cabo, frente
  à porta nascente, em sepultura armoriada já muito danificada. Este fez 
  justificação da sua nobreza e obteve brasão de armas, esquartelado de GERALDES, LEITÃO, MELO
  e COUTINHO; Elmo de prata aberto e guarnecido de ouro; Timbre de Geraldes; por Diferença uma
  brica de azul com uma lua de prata. Estas Armas foram concedidas no reinado de D. Maria, por
 Carta datada de 23-IX-1786, e registadas no «Livro de Registo de Brasões de Armas», N.º 3, Fls. 239.
      Sobre Francisco Camilo Geraldes Leitão de Melo Cajado (n. 1777), ver:
[15]  Manuel António Geraldes Leitão Coutinho de Melo (n. 1766) era filho de Rodrigo Xavier Soares Correia de Melo c. c. D. Joana de Oliveira Monteiro; neto paterno do bacharel Manuel Soares Correia, que foi três vezes casado, nascido em Aldeia do Mato, no concelho da Covilhã, juiz de fora de Penamacor por Carta de 12-IX-1725, e capitão-mor do Fundão, casado a 1-IX-1734 em Idanha-a-Nova com D. Isabel Joaquina de Melo Geraldes Leitão (n. 1709), nascida a 2-XII-1709 na citada vila de Idanha-a-Nova.
   Seu avô paterno Manuel Soares Correia, bacharel, era filho de Brás Soares Correia, natural da freguesia da Vela, no concelho da Guarda, c. c. D. Brígida de São José, natural da freguesia de Famalicão, concelho da Guarda, que eram residentes em Aldeia Nova do Cabo, Fundão.
   Sua avó paterna D. Isabel Joaquina de Melo Geraldes Leitão (n. 1709) era filha de Manuel Geraldes Leitão, sargento-mor de Idanha-a-Nova (filho de D. Maria Nunes Leitão, casada a 26-X-1676 em Idanha-a-Nova com Francisco Nunes Piteiros ou Calvo), onde casou a 25-IX-1702 com sua parente D. Maria Marques da Cruz e Melo (n. 1680), baptizada a 11-IV-1640 em Idanha-a-Nova (filha de Bartolomeu Afonso da Cruz, Juiz da Alfândega de Idanha-a-Nova por alvará de 20-IX-1668, onde casou a 7-VI-1769 com D. Isabel de Melo Coutinho de Eça (n. 1656), baptizada a 4-VIII-1657 – herdeira de seu primo João Marques Giraldes que testou a 5-V-1686); neta paterna de Manuel Vaz Ripado, escrivão público de notas em Idanha-a-Nova, e de sua mulher D. Maria Nunes da Cruz; e neta materna de Baltazar de Melo de Eça Coutinho, capitão de Infantaria, moço-fidalgo da Casa Real por alvará de 16-II-1639, com solar na Quinta de Darei – entre Mangualde e Penalva do Castelo –, casado nas segundas núpcias de D. Catarina Marques Geraldes.
[16] D. Angélica Leocádia de Oliveira Fonseca Coutinho Botelho, era filha de João de Oliveira da Fonseca, alferes de Granadeiros, e de sua mulher D. Cecília Liberata Botelho Coutinho, natural da freguesia da Misarela, Guarda.
[18] Bartolomeu José da Cruz Cajado (c.1775) era filho de Manuel Gonçalves da Cruz, natural de S. Miguel de Acha, concelho de Idanha-a-Nova, e de sua mulher Catarina Gonçalves, natural de Idanha-a-Nova, da qual teve: Maria Margarida Geraldes de Melo Cajado (n. 1775), e Francisco Camilo Geraldes Leitão de Melo Cajado (n. 1777).